Após perder dois irmãos e filho pela varíola, Dom João ordenou a vacinação em todo o Brasil

Trancafiadas em um navio, sete crianças escravas estavam apavoradas. Retiradas à força de suas mães, elas rumavam até Lisboa para receber doses da recém-descoberta vacina antivariólica.

 

Trancafiadas em um navio, sete crianças escravas estavam apavoradas. Retiradas à força de suas mães, elas rumavam até Lisboa para receber doses da recém-descoberta vacina antivariólica.

Filhas de escravos que trabalhavam para Felisberto Caldeira Brant - o Marquês de Barbacena -, em Salvador, essas crianças foram escolhidas como cobaias para trazerem ao Brasil amostras da primeira vacina criada no mundo.

Um médico que as acompanhava aprendeu a técnica da vacinação braço a braço usada naquela época, quando ainda pouco se sabia sobre seus efeitos no corpo humano. Na volta, durante os quase 40 dias de navegação, ele aplicou sucessivas doses nos pequenos para conservar o imunizante no decorrer da viagem.

E, assim, atravessaram o Oceano Atlântico transmitindo a infecção vacinal de um para outro até desembarcarem na Bahia, em 1804. Esse transporte rudimentar era a única forma de levar o líquido para outros lugares, já que, nessa época, a vacinação funcionava como uma cadeia de transmissão em que se extraía de uma pessoa e passava a outra.

A tática deu certo e, pela primeira vez, o Brasil teria condições de ter uma vacina no próprio território. Foi assim também que o imunizante chegou ao Rio de Janeiro.

Já no ano seguinte, os capitães-mores de algumas províncias tentaram tornar a vacinação obrigatória – uma tentativa que ganhou impulso com a chegada da Corte, em 1808.

Em três anos, o rei Dom João, que já tinha perdido dois irmãos e um filho acometidos pela varíola, ordenou a criação da Junta Vacínica da Corte, com a missão de implantar a vacinação em todo o Brasil.

Institutos com a prática, então, passaram a ser criados em São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul ao longo de toda a década de 1820.

Tudo isso só foi possível graças ao médico inglês Edward Jenner (1749-1823) que, em meados de 1778 - período em que a varíola matou cerca de 400 mil pessoas na Europa - ampliou a visão.

“Jenner, por meio de uma observação empírica, percebeu que quem tirava leite de uma vaca contaminada com a espécie da varíola bovina, chamada de cowpox, não pegava a doença”, relata Tania Maria Fernandes, professora e pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz, a Fiocruz, e autora do livro Vacina Antivariólica: Ciência, Técnica e o Poder dos Homens (1808-1920).

Tais observações foram feitas no decorrer de 20 anos, quando o inglês reparou que as pessoas que tinham contato com a varíola bovina eram acometidas somente por pequenas feridas impregnadas de pus.

Em 1796, Jenner colheu o líquido de uma dessas feridas da mão direita da ordenhadeira Sarah Nelmes e inoculou na pele do braço de Jacobo Phipps, um menino de 8 anos.

Era o início do procedimento conhecido por “vacina humanizada”, isto é, passada de ser humano para ser humano - de braço em braço. Após seis semanas, o médico injetou o vírus da varíola humana no menino, que não adquiriu a doença - surgindo, assim, o registro da primeira vacina em todo o mundo.

No entanto, é provável que Jenner já tivesse realizado outras experiências do gênero, pois o caso do garoto Phipps foi o 17° descrito no primeiro artigo do inglês sobre vacinação, chamado Um inquérito sobre as causas e os efeitos da vacina da varíola.